UM OLHAR OUTRO

14 de Março de 2021

Com o tema Modernidade Protestante, entramos no último capítulo de Falso Testimonio.

StarK, tendo sido educado nas glórias da Reforma e recebido constantes acusações da «maldade católica», situa deste modo a questão: «fui instruído profunda e detalhadamente no evangelho de Max Weber (1864-1920): que o protestantismo deu à luz uma ética do trabalho única que assentou as bases do capitalismo, e que, portanto, a modernidade é o resultado directo da Reforma».

Passando à análise dos fundamentos de tal afirmação, que contesta, Stark refere: «Diz-se que o vínculo básico entre a Reforma e a liberdade religiosa reside na conclusão teológica de Lutero, segundo a qual cada pessoa é responsável pela sua própria salvação, e que, portanto, cada pessoa deve ser livre para crer de acordo com as suas próprias convicções e render culto a Deus conforme o seu próprio desejo. Mas Lutero não criou nada de tudo isso. (...) A Reforma simplesmente substituiu o monopólio da Igreja Católica pelo monopólio das igrejas protestantes».

Argumentando e rebatendo as conclusões de Weber, Stark, citando vários historiadores de renome, afirma: «De facto, o capitalismo foi uma invenção bem católica: apareceu pela primeira vez nas grandes propriedades monásticas católicas, o que nos obriga a remontar ao século IX».

Mas, afinal o que é o capitalismo? Difícil de definir, reconhece. É que, na origem, o termo não era um conceito económico mas «uma designação perjorativa que os autores de esquerda do séc. XIX utilizaram pela primeira vez para condenar a riqueza e os privilégios». Depois de abordar a evolução do termo capitalismo, Stark acrescenta: «Pouco depois da conversão de Constantino (312 d. C.) a Igreja deixou de estar dominada por ascetas, e as atitudes a respeito do comércio começaram a suavizar-se, o que levou a que já Santo Agostinho ensinasse que a maldade não era inerente ao comércio, mas que, como em qualquer outra ocupação, o indivíduo era capaz de viver justamente».

Durante toda a Idade Média, a Igreja foi a principal força na evolução da economia. Com prejuízos até para a sua missão prioritária: «Os mosteiros medievais acabaram por assemelhar-se a empresas ‘modernas’: bem administradas e dispostas a adoptar rapidamente os últimos avanços tecnológicos». E acrescenta, em jeito de síntese: «A crença nas virtudes do trabalho e da vida simples esteve muito viva nas origens do capitalismo, mas este produziu-se séculos antes de Martinho Lutero nascer. Apesar do facto de que muitos monges e monjas - talvez a maioria - procediam da nobreza e das famílias mais ricas, sabemos que eles honraram o trabalho não só em termos teológicos, mas também trabalhando de facto com as próprias mãos. Nas palavras de Randall Collins, eles ‘seguiram a ética protestante sem o protestantismo’. A virtude do trabalho foi posta em relevo no século VI por S. Bento, que escreveu na sua famosa Regra: ‘a ociosidade é inimiga da alma’. Por isso os irmãos devem ocupar-se em certos tempos no trabalho manual e a certas horas na leitura espiritual (...). Porque só são verdadeiramente monges quando vivem do trabalho das suas mãos, como os nossos pais e os apóstolos’. Ou como escreveu no século XIV Walter Hilton, um agostinho inglês: ‘A disciplina da vida física capacita-nos para o esforço espiritual’. Este compromisso com o trabalho manual é justamente a nota que distingue o ascetismo cristão daquele que encontramos nas outras grandes culturas religiosas, onde a piedade está associada à rejeição do mundo e das suas actividades. Ao contrário, por exemplo, dos homens santos orientais que se especializam na meditação, mas vivem da caridade, os monges cristãos medievais viveram do seu próprio trabalho, explorando eles mesmos propriedades altamente produtivas. Isto não só evitou que ‘o zelo ascético se petrificasse ao fugir do mundo’ mas também manteve viva uma sadia preocupação pelos assuntos económicos. Ainda que a tese da ‘ética protestante’ seja errónea, é legítimo vincular o capitalismo a uma ‘ética cristã’.

Continuaremos e terminaremos no próximo número.

P. Abílio Cardoso

Créditos: Pixabay

Publicado em 2021-03-14

Notícias relacionadas

UM OLHAR OUTRO

17 de Setembro de 2023

UM OLHAR OUTRO

27 de Agosto de 2023

UM OLHAR OUTRO

3 de Setembro de 2023

UM OLHAR OUTRO

10 de Setembro de 2023

UM OLHAR OUTRO

20 de Agosto de 2023

UM OLHAR OUTRO

6 de Agosto de 2023

desenvolvido por aznegocios.pt