UM OLHAR OUTRO
17 de Setembro de 2023
Um
cardeal a ser julgado no Vaticano por corrupção não é notícia de todos os dias,
felizmente. Mesmo sabendo que a comunicação social actual está bem mais
desperta para o mal do que para o bem e, tratando-se da Igreja, não vê a beleza
da floresta mas a podridão de uma árvore, o certo é que se espera, e com razão,
da parte dos membros da Igreja um comportamento ético e socialmente imitável. Quando
ele não existe, a censura pública não tem que ser mais complacente, antes pelo
contrário.
A
situação, capaz de causar perplexidade em muitos, pode ser olhada como a
justiça a funcionar no interior da Igreja, o que é bom, pois que, apesar de
haver um Código de Direito Canónico, hoje quase reduzido às causas de nulidade
matrimonial, a justiça impõe-se como virtude prioritária. Mas ela vem revelar
também que a gestão de bens materiais no seio da Igreja não pode sujeitar- se
apenas a leis de mercado. Os bens da Igreja têm sempre uma finalidade primeira,
a de estarem ao serviço da missão evangelizadora.
Enquanto
isto, a mesma comunicação social divulga que as finanças do Vaticano estão em
maus lençóis, com um défice que se agrava de ano para ano. Acontece lá o que
acontece nas nossas paróquias: se a base de apoio para o funcionamento de uma instituição
está dependente das esmolas dos fiéis, quando estas diminuem, como é o caso,
todo o futuro da instituição fica em risco. Diante desta situação, generalizada
aos mais diversos níveis da instituição Igreja Católica, impõe-se uma reflexão
profunda sobre as causas da diminuição da generosidade dos fiéis, o que tem a
ver certamente com a credibilidade da acção da Igreja e com o testemunho dos
seus agentes, e ainda se os encargos actuais não estarão inflacionados. Ou
seja, pode a Igreja desenvolver a sua acção com menos meios materiais do que
até aqui?
Há
um esforço notório, reconheça-se, no sentido de uma gestão dos bens da Igreja
de modo transparente e conhecido. A minha própria experiência diz-me que quando
as pessoas conhecem para o que se pede até são mais generosas, com excepção
daquele grupo de pessoas que sempre estão no «contra», a dizer mal de tudo e de
todos: e quando se trata de dinheiros, são os primeiros a dizer mal dos que dão
e dos que gerem o dinheiro recebido... nunca deles próprios.
Que
a Igreja esteja invadida de mundanismo, com as consequências terríveis
conhecidas para a credibilidade da mesma, parece-me evidente. Mas é sempre mais
fácil apontar caminhos de conversão e renovação para os outros cumprirem.
Ora,
o mundanismo reconhecido não é novo. Atravessa a história do Cristianismo e contra
ele já nos avisou Cristo, na sua oração sacerdotal, ao dizer: «Eles estão no mundo,
mas não são do mundo. Livra-os do mal». Não será antes a força do testemunho
cristão, de todos e não só da hierarquia da Igreja, que diminuiu? E diminuiu
porquê?
Há
várias razões concomitantes, que se evidenciam com maior ou menor força,
sobretudo nos últimos tempos. Um denominador comum em todas elas: as
ideologias, que se sucedem de forma vertiginosa sobretudo nos últimos três
séculos, pretendem construir um mundo sem Deus, um «paraíso» na terra,
convencendo que se pode viver «desligado» do Criador. Basta olhar para os
grandes massacres e os milhões de vítimas do comunismo e do nazismo, e de
outros ismos menos relevantes, que mancham a civilização.
Sem
pôr de lado o «mundo» adverso à acção da Igreja, o certo é que o cristianismo
aparece como «humanizador» e «libertador» do ser humano, sempre fragilizado no
terreno do poder. Não é por acaso que a Igreja aparece perseguida, ganhando em
purificação e credibilidade, nas zonas de conflito, constituindo às vezes a
única tábua de salvação de gente oprimida pelo poder de quem tem dinheiro e a
este deus tudo sacrifica.
A
Igreja de hoje precisa de recuperar a profecia: a coragem de viver e agir em
antecipação, sempre no superior interesse do ser humano. Mas a profecia precisa
do testemunho credível da vida de todos. A começar por ti e por mim. Se és
Igreja, cuida da verdade do teu testemunho cristão.
P.
Abílio Cardoso
Créditos: Foto - Pixabay
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