UM OLHAR OUTRO

1 de Agosto de 2021

Um cardeal a ser julgado no Vaticano por corrupção não é notícia de todos os dias, felizmente. Mesmo sabendo que a comunicação social actual está bem mais desperta para o mal do que para o bem e, tratando-se da Igreja, não vê a beleza da floresta mas a podridão de uma árvore, o certo é que se espera, e com razão, da parte dos membros da Igreja um comportamento ético e socialmente imitável. Quando ele não existe, a censura pública não tem que ser mais complacente, antes pelo contrário.

A situação, capaz de causar perplexidade em muitos, pode ser olhada como a justiça a funcionar no interior da Igreja, o que é bom, pois que, apesar de haver um Código de Direito Canónico, hoje quase reduzido às causas de nulidade matrimonial, a justiça impõe-se como virtude prioritária. Mas ela vem revelar também que a gestão de bens materiais no seio da Igreja não pode sujeitar- se apenas a leis de mercado. Os bens da Igreja têm sempre uma finalidade primeira, a de estarem ao serviço da missão evangelizadora.

Enquanto isto, a mesma comunicação social divulga que as finanças do Vaticano estão em maus lençóis, com um défice que se agrava de ano para ano. Acontece lá o que acontece nas nossas paróquias: se a base de apoio para o funcionamento de uma instituição está dependente das esmolas dos fiéis, quando estas diminuem, como é o caso, todo o futuro da instituição fica em risco. Diante desta situação, generalizada aos mais diversos níveis da instituição Igreja Católica, impõe-se uma reflexão profunda sobre as causas da diminuição da generosidade dos fiéis, o que tem a ver certamente com a credibilidade da acção da Igreja e com o testemunho dos seus agentes, e ainda se os encargos actuais não estarão inflacionados. Ou seja, pode a Igreja desenvolver a sua acção com menos meios materiais do que até aqui?

Há um esforço notório, reconheça-se, no sentido de uma gestão dos bens da Igreja de modo transparente e conhecido. A minha própria experiência diz-me que quando as pessoas conhecem para o que se pede até são mais generosas, com excepção daquele grupo de pessoas que sempre estão no «contra», a dizer mal de tudo e de todos: e quando se trata de dinheiros, são os primeiros a dizer mal dos que dão e dos que gerem o dinheiro recebido... nunca deles próprios.

Que a Igreja esteja invadida de mundanismo, com as consequências terríveis conhecidas para a credibilidade da mesma, parece-me evidente. Mas é sempre mais fácil apontar caminhos de conversão e renovação para os outros cumprirem.

Ora, o mundanismo reconhecido não é novo. Atravessa a história do Cristianismo e contra ele já nos avisou Cristo, na sua oração sacerdotal, ao dizer: «Eles estão no mundo, mas não são do mundo. Livra-os do mal». Não será antes a força do testemunho cristão, de todos e não só da hierarquia da Igreja, que diminuiu? E diminuiu porquê?

Há várias razões concomitantes, que se evidenciam com maior ou menor força, sobretudo nos últimos tempos. Um denominador comum em todas elas: as ideologias, que se sucedem de forma vertiginosa sobretudo nos últimos três séculos, pretendem construir um mundo sem Deus, um «paraíso» na terra, convencendo que se pode viver «desligado» do Criador. Basta olhar para os grandes massacres e os milhões de vítimas do comunismo e do nazismo, e de outros ismos menos relevantes, que mancham a civilização.

Sem pôr de lado o «mundo» adverso à acção da Igreja, o certo é que o cristianismo aparece como «humanizador» e «libertador» do ser humano, sempre fragilizado no terreno do poder. Não é por acaso que a Igreja aparece perseguida, ganhando em purificação e credibilidade, nas zonas de conflito, constituindo às vezes a única tábua de salvação de gente oprimida pelo poder de quem tem dinheiro e a este deus tudo sacrifica.

A Igreja de hoje precisa de recuperar a profecia: a coragem de viver e agir em antecipação, sempre no superior interesse do ser humano. Mas a profecia precisa do testemunho credível da vida de todos. A começar por ti e por mim. Se és Igreja, cuida da verdade do teu testemunho cristão.

P. Abílio Cardoso

Créditos: Foto - Pixabay

Publicado em 2021-08-01

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