UM OLHAR OUTRO

25 de Setembro de 2021

Dentro de algumas horas começa o período de reflexão que, por lei, precede o acto eleitoral autárquico. A campanha eleitoral encerra e dá lugar ao silêncio, bem desejado por tantos, sobretudo nos meios urbanos, onde as campanhas se tornam, por regra, mais barulhentas e insistentes.

É inevitável um olhar para trás: como foi a campanha, que trouxe ela de novidade, que anúncios/promessas são para levar a sério, que credibilidade nos merecem os candidatos?...

Da minha parte, o meu primeiro juízo tem de ser pela positiva: uma vez mais, saúdo e agradeço a todos aqueles que se propuseram aos eleitores. Acredito que o fizeram com sentido de serviço público, alguns até com sacrifício da sua vida pessoal. A Igreja olha com apreço todos aqueles que se envolvem na «nobre arte da política».

Depois, num sentido mais realista, comungo de tantos reparos, partilhados na opinião pública: há uma experiência do passado, há um cansaço dos mesmos e das mesmas propostas, repetidas mas não concretizadas.

Seja como for, a verdade é que os períodos eleitorais geram no povo uma onda de esperança, mesmo que consideremos que a monotonia da vida política se assemelhe ao charco, onde as águas paradas anseiam por alguém que as agite.

A nossa democracia, já mais amadurecida, obrigou a que os autarcas não se candidatem a mais de três mandatos consecutivos. Há quem sinta que dois seriam suficientes. Comungo dessa ideia: até porque não faltam casos em que o terceiro mandato, que seria o da cereja em cima do bolo, acaba por ser a «consagração» de um certo compadrio partidário, em que a máquina autárquica se tornou máquina partidária, que todos desejam seja desmontada. A honradez no exercício do poder, a fidelidade a princípios respeitadores de um serviço público destinado a todos e não só a alguns, tornam-se cada vez mais difíceis com o passar do tempo. As seduções do poder, em proveito próprio ou de um círculo restrito de familiares e amigos, são tentação permanente, a que só os grandes, homens e mulheres, resistem.

Perante os desencantados, aqueles que sempre denunciam os males mas vivem de braços cruzados e de língua afiada a criticar os outros, urge gritar alto e bom som, o dever de votar. É o que farei no próprio dia das eleições, como sempre o fiz. Porque «não adianta falar se não for votar». Como o repete a Igreja: a Comissão Nacional Justiça e Paz lembra as palavras do Papa na Fratelli Tutti: «Convido uma vez mais a revalorizar a política, que é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum» (180).

Separam-nos apenas algumas horas daquele momento de exaltação para uns e de tristeza bem amarga para outros. No domingo à noite saberemos quem são os vencedores e os vencidos. Não faltarão interpretações dos resultados, exultações e mágoas à mistura e até tentativas de pôr em causa os resultados. Felizmente que a nossa democracia está suficientemente madura para o acatar dos resultados por parte dos vencidos e para acautelar excessos por parte dos vencedores.

Como tem acontecido, na minha qualidade de Prior de Barcelos, espero dos eleitos a mais franca e honesta colaboração, no respeito total das atribuições de cada um dos «poderes», civil e religioso. Para harmonia e paz social, importa esta colaboração respeitosa. Até porque o âmbito de actuação das Juntas de Freguesia e do Município abrange o conjunto de todos os cidadãos, e não apenas os cristãos. Se a Igreja não quer privilégios, também não aceita ser esquecida. Porque os cristãos são cidadãos como todos os outros.

Importa lembrar, numa sociedade laica em que as ideologias se impõem tantas vezes em desrespeito para com a história e identidade de um povo, que o fenómeno religioso está aí, patente a todos (mesmo que estranhamente ignorado na sinalética da cidade), impondo-se sobre as artimanhas de um «pensamento único», em que a espiritualidade humana é dispensada e o divino desnecessário: o património visitável na cidade é, na sua quase totalidade, de índole religiosa. Um espaço religioso aberto para todos contribui para o equilíbrio pessoal de todos os cidadãos, crentes ou não. Para que se mantenham abertos, como tantas vezes insiste o Papa Francisco, é necessária uma presença, que tem encargos. Porque terão de ser as esmolas dos fiéis, cada vez mais insuficientes, a manterem tais espaços abertos para todos? Espero, de novo, que os novos autarcas colaborem para que as igrejas da cidade se mantenham abertas aos turistas que nos visitam.

P. Abílio Cardoso

Créditos: Foto - Pixabay

Publicado em 2021-09-25

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