UM OLHAR OUTRO
17 de Setembro de 2023
Dentro
de algumas horas começa o período de reflexão que, por lei, precede o acto
eleitoral autárquico. A campanha eleitoral encerra e dá lugar ao silêncio, bem
desejado por tantos, sobretudo nos meios urbanos, onde as campanhas se tornam,
por regra, mais barulhentas e insistentes.
É
inevitável um olhar para trás: como foi a campanha, que trouxe ela de novidade,
que anúncios/promessas são para levar a sério, que credibilidade nos merecem os
candidatos?...
Da
minha parte, o meu primeiro juízo tem de ser pela positiva: uma vez mais, saúdo
e agradeço a todos aqueles que se propuseram aos eleitores. Acredito que o
fizeram com sentido de serviço público, alguns até com sacrifício da sua vida
pessoal. A Igreja olha com apreço todos aqueles que se envolvem na «nobre arte
da política».
Depois,
num sentido mais realista, comungo de tantos reparos, partilhados na opinião
pública: há uma experiência do passado, há um cansaço dos mesmos e das mesmas
propostas, repetidas mas não concretizadas.
Seja
como for, a verdade é que os períodos eleitorais geram no povo uma onda de
esperança, mesmo que consideremos que a monotonia da vida política se assemelhe
ao charco, onde as águas paradas anseiam por alguém que as agite.
A
nossa democracia, já mais amadurecida, obrigou a que os autarcas não se
candidatem a mais de três mandatos consecutivos. Há quem sinta que dois seriam
suficientes. Comungo dessa ideia: até porque não faltam casos em que o terceiro
mandato, que seria o da cereja em cima do bolo, acaba por ser a «consagração»
de um certo compadrio partidário, em que a máquina autárquica se tornou máquina
partidária, que todos desejam seja desmontada. A honradez no exercício do
poder, a fidelidade a princípios respeitadores de um serviço público destinado a
todos e não só a alguns, tornam-se cada vez mais difíceis com o passar do
tempo. As seduções do poder, em proveito próprio ou de um círculo restrito de
familiares e amigos, são tentação permanente, a que só os grandes, homens e
mulheres, resistem.
Perante
os desencantados, aqueles que sempre denunciam os males mas vivem de braços
cruzados e de língua afiada a criticar os outros, urge gritar alto e bom som, o
dever de votar. É o que farei no próprio dia das eleições, como sempre o fiz.
Porque «não adianta falar se não for votar». Como o repete a Igreja: a Comissão
Nacional Justiça e Paz lembra as palavras do Papa na Fratelli Tutti: «Convido
uma vez mais a revalorizar a política, que é uma sublime vocação, é uma das
formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum» (180).
Separam-nos
apenas algumas horas daquele momento de exaltação para uns e de tristeza bem
amarga para outros. No domingo à noite saberemos quem são os vencedores e os
vencidos. Não faltarão interpretações dos resultados, exultações e mágoas à
mistura e até tentativas de pôr em causa os resultados. Felizmente que a nossa
democracia está suficientemente madura para o acatar dos resultados por parte
dos vencidos e para acautelar excessos por parte dos vencedores.
Como
tem acontecido, na minha qualidade de Prior de Barcelos, espero dos eleitos a
mais franca e honesta colaboração, no respeito total das atribuições de cada um
dos «poderes», civil e religioso. Para harmonia e paz social, importa esta
colaboração respeitosa. Até porque o âmbito de actuação das Juntas de Freguesia
e do Município abrange o conjunto de todos os cidadãos, e não apenas os
cristãos. Se a Igreja não quer privilégios, também não aceita ser esquecida.
Porque os cristãos são cidadãos como todos os outros.
Importa
lembrar, numa sociedade laica em que as ideologias se impõem tantas vezes em
desrespeito para com a história e identidade de um povo, que o fenómeno
religioso está aí, patente a todos (mesmo que estranhamente ignorado na
sinalética da cidade), impondo-se sobre as artimanhas de um «pensamento único»,
em que a espiritualidade humana é dispensada e o divino desnecessário: o
património visitável na cidade é, na sua quase totalidade, de índole religiosa.
Um espaço religioso aberto para todos contribui para o equilíbrio pessoal de
todos os cidadãos, crentes ou não. Para que se mantenham abertos, como tantas
vezes insiste o Papa Francisco, é necessária uma presença, que tem encargos. Porque
terão de ser as esmolas dos fiéis, cada vez mais insuficientes, a manterem tais
espaços abertos para todos? Espero, de novo, que os novos autarcas colaborem
para que as igrejas da cidade se mantenham abertas aos turistas que nos
visitam.
P.
Abílio Cardoso
Créditos: Foto - Pixabay
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