
UM OLHAR OUTRO
7 de Agosto de 2022
Já lá vai
mais de uma semana. O que julgávamos impossível aconteceu e continua-se: a
guerra está na nossa Europa. Os noticiários invadem-nos de barbárie, de poderio
bélico que mata sem dó nem piedade, indiscriminadamente. Todos e tudo se torna
alvo potencial. Em nome de quê ou de quem? De Deus nunca poderá ser. E é
exactamente para Deus que nos voltamos para Lhe pedir contas de um silêncio que
deixa livre curso ao sangue de tantas vítimas inocentes, de um e de outro lado,
do lado agressor e do lado agredido.
É ao
mesmo Deus que todos nós, europeus, africanos, americanos, oceânicos e
asiáticos nos dirigimos. E é o mesmo evangelho de que nos dizemos seguidores, o
de Jesus Cristo. E é para um Pai Misericordioso que nos encaminhamos todos.
Crentes e não crentes temos algo em comum, a nossa Humanidade. E é esta
Humanidade que, em múltiplas vozes, forma um coro de protesto contínuo contra
as injustiças e os poderes mundanos, que transformam o Paraíso que habita o
desejo de todos em vários e horrendos infernos.
Todos
irmãos - Fratelli Tutti - olhamos as bombas assassinas e admiramos os gestos heroicos,
que julgávamos impossíveis. Todos irmãos, revoltamo-nos e condenamos ditadores
que usam da força como se fossem senhores do mundo. Todos irmãos, fazemos juízos
e opções, condenamos e solidarizamo-nos. Só que... as bombas caem longe de nós.
E ficamos estarrecidos só com a hipótese de elas se aproximarem um dia, um dia
que alguns prevêem próximo para os povos vizinhos da Ucrânia.
A questão
que Deus dirigiu a Caim, «que fizeste do teu irmão?», assume nova e gritante
actualidade nas vozes ucranianas que, diante dos braços cruzados do mundo dito
democrata e livre, nos lembram: «hoje somos nós, amanhã, sereis vós».
Entretanto,
uma onda de solidariedade varre o mundo livre em rara sintonia: é a Humanidade
que grita, que pede que os canhões se calem, que outros poderes assumam
responsabilidades e que o povo russo eleve a sua voz, calando ditadores e
anseios de imperialismo. E à simpatia para com as vítimas junta-se o «amargo de
boca» de quem cruza os braços e diz nada poder fazer. À admiração pela luta heroica
de um povo, que apenas exige respeito pelo direito de se organizar e viver em
paz na sua terra, deveria corresponder mais, bem mais do que simples palavras.
Por
agora, duas coisas se tornaram já realidade: a História vai guardar uma memória
horrenda, ignóbil para o agressor; a mesma História foi avivada agora com a
dignidade de um povo que resiste uma vez mais a que esmaguem a sua dignidade, a
sua história, a sua cultura. Um exemplo para todos, que se tornará referência
no futuro.
E Deus no
meio disto tudo? E nós os crentes?
Rezamos.
E no rezar está o coração humilde e aberto para quem tudo pode. Está o coração
que partilha e se compromete com a justiça. Está o dar as mãos a todos, de modo
especial àqueles que, escondidos nos bunquers, entre clamores e lágrimas, nos
provocam a agir, a não cruzar os braços.
Terá a
oração dos crentes, elevada da terra ao céu em todo o mundo, mais força que os
tanques ou mísseis russos? Não faltará gente a dizer que é «perder tempo». Só
que a História não se apagou e revela-nos que este proceder diante das
tragédias humanas é comum a todos. E bem visível nos registos, nas experiências
pessoais e colectivas e nos monumentos que assinalam os acontecimentos mais
dolorosos de cada povo.
Diante de
tanta prepotência e desrespeito pelo ser humano, diante de tanto sangue
inocente e da «terra queimada» sem tréguas que as imagens televisivas nos
mostram, quem preferimos ou de que lado estamos nós, cada um de nós: do lado da
esperança exemplar dos agredidos que não desistem e se voltam para Deus ou dos
agressores que se julgam senhores do mundo, reféns de uma racionalidade de
números que tenta manipular a História?
P.
Abílio Cardoso
Créditos: Foto - Pixabay
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