
UM OLHAR OUTRO
7 de Agosto de 2022
Era expectável a «enchente» de peregrinos em Fátima
para a peregrinação aniversária de 13 de Maio. Numa «normalidade»
pós-pandémica, os media destacaram a satisfação sentida e há muito desejada.
Numa análise mais superficial, aquela que precisamente
desejo evitar com o título desta coluna, foi mais do mesmo: grupos e grupos organizados,
levas e levas de peregrinos a pé, muitos estrangeiros, estimativas e
contabilidades pela visão de mais ou menos clareiras no recinto, uma liturgia
sempre bem cuidada e as manifestações de religiosidade popular bem conhecidas.
Há algo, porém, que estes vários olhares repetidos
parecem esquecer. Quando aprecio a hesitação de muitos peregrinos entrevistados
pelas câmaras televisivas, pergunto-me: que quer dizer este «não dizer» que, repetido
por tantos na mais imprecisa linguagem, deixa surpresos e até incomodados os
jornalistas, tantas vezes à procura de sensacionalismo e pouco despertos para a
linguagem do coração, onde se situa mais adequadamente a da fé? Será justo,
para aqueles que procuram uma linguagem da fé mais «compreensível»
racionalmente, esperar dos peregrinos uma linguagem mais ajustada às teologias
e mundividências culturais de cada tempo? O que dizem eles neste «incómodo» de
se justificarem perante as câmaras deixando respostas incompletas e até não
muito «catequéticas»? Ouso responder:
1. Assumo que a vivência da fé cristã, no mundo das
peregrinações, é bem mais emotiva e sentimental, por vezes até «desencarnada»
da vida. Assumo que as manifestações religiosas carecem de enorme evangelização,
isto é, precisam de ser permeadas da Boa Nova libertadora de Jesus. Assumo
também, por experiência própria, que se trata de um objectivo muito difícil de
atingir, mas que, por isso mesmo, a Igreja nunca pode desanimar dele, sob pena
de trair a missão que lhe foi comunicada. O próprio Papa São João Paulo II o
denunciou aos bispos portugueses, na sua primeira viagem a Portugal, já lá vão
40 anos, o que deu origem a análises sociológicas, a programas de intervenção pastoral
e tentativas várias de inovação de esquemas pastorais. Passadas 4 décadas,
seria útil uma análise sobre o que se conseguiu ou não nos objectivos
propostos. Apesar de serem tantos e tanto mais urgentes outros assuntos que
ocupam bispos, padres e leigos.
2. Na cultura hodierna, em ritmo apressado que esquece
a profundidade do ser humano, não faltam sinais claros de forças ideológicas a
tentarem criar um ser humano «outro», «fabricado por mãos humanas»,
supervalorizando a inteligência artificial, dispensado Deus como Criador do ser
humano e fazendo este entrar apenas no campo dos «produtos fabricados». Quem
não se dá conta, surpreendido, de enormes transformações apresentadas como positivas
e inevitáveis, mesmo sem termos ainda tempo para as avaliarmos com isenção? Onde
está a antropologia que olha a pessoa no seu todo, isto é nas suas vertentes
várias, que a enriquecem, no quadro de uma eternidade capaz de dar sentido ao
quotidiano e no quadro de um «fazer-se» em liberdade e comunhão uns com os
outros, evitando o determinismo individualista que faz descansar «naquilo que
sou («eu sou assim») em vez de promover o «que eu devo ser»?
3. Disse-o e repito-o: a vivência dita cristã, fechada
em tradições apenas, que valoriza a religião e não a fé, faz adormecer a pessoa
nos seus «hábitos e costumes», agindo por medo, de Deus ou do diabo. Ora isto atraiçoa
o Evangelho de Jesus, mensagem libertadora e de permanente novidade, que
responsabiliza cada um por si e pelos outros e pela criação que nos rodeia e
que somos chamados, todos, a cuidar. As superstições abundam apesar de tantos
títulos académicos. E a procura de Deus, do verdadeiro Deus nunca esmoreceu.
4. Aprecio as manifestações religiosas de amor e de
ternura especial para com Nossa Senhora. Ela tem sido, ao longo de vinte
séculos, o caminho mais directo para o encontro com Jesus, Aquele que salva. Importa
fazer a grande acção pastoral que se impõe, imitando Jesus: acolher as pessoas
como elas são mas não as deixar iguais: mostrar-lhes um horizonte mais largo e
possível, o do encontro com a Bondade, a Beleza e a Verdade de Deus e
acompanhar na caminhada aquele que a tal se dispõe livremente.
P. Abílio Cardoso
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