UM OLHAR OUTRO

25 de Dezembro de 2022

O nascimento de Jesus, que celebramos todos os anos, marca um começo novo, assinalado na História com um antes e um depois, e, na vida dos crentes, como realização de uma promessa de Deus. Dada a riqueza desta novidade, encarnação de Deus no Humano, foram muitas as manifestações de júbilo ao longo da História da Humanidade. Nenhum tempo e nenhuma manifestação esgota, por si só, a densidade do mistério celebrado. Olhando a História, maravilhamo-nos com as inúmeras criações no campo da arte, sobretudo na música e na pintura. De facto, a melhor inspiração dos artistas está nos evangelhos. Já Lucas e Mateus construiram as suas narrativas da infância de Jesus deixando o não-dito em aberto de modo que todos, em todos os tempos, possam levar sempre mais longe a expressão do mistério: Deus visita o Humano e gosta de viver na Tenda dos Homens e Mulheres de todos os tempos.

A vida de cada cristão tem também um antes e um depois. E está marcada pelo dom que se propõe à aceitação livre por parte do ser humano. Evangelizados, ou seja, tocados pela Boa Nova de Jesus, espera-se uma aceitação livre tornando-nos seguidores de uma Mensagem, uma Boa Nova, uma nova doutrina assumida como Caminho de felicidade. É o Batismo.

O Papa Francisco dá o devido relevo a este acontecimento pessoal, a ponto de convidar a dar-lhe mais relevo do que ao nascimento. Em tempos de cristandade, o exagero foi de tal ordem que, até por medo, se batizava logo nos primeiros dias de uma criança, sem qualquer preparação que ajudasse a tomar consciência do que se vivia nos primórdios do cristianismo: as crianças eram baptizadas apenas aquelas que pertenciam a famílias cristãs, sendo estas constituídas por adultos batizados, que fizeram o catecumenado, período intenso de preparação.

Desvalorizado o elemento da adesão livre à proposta de Jesus, facilmente abandonamos a preparação, considerando que «todos estão preparados (quem acredita que tal se verifique ainda hoje?). Deste modo, facilmente o Batizado ocupa um lugar apenas social, desligado de convicções que comprometem. Ou então as convicções aparecem tocadas por práticas supersticiosas, sinais de um paganismo que se mantém. Acresce ainda que, no seio de famílias cada vez menos cristãs, o relevo passou delas para os padrinhos, condescendendo a Igreja com todas as demandas abusivas e sem qualquer respeito pelo dom de Deus, de que a Igreja deve cuidar.

Ora o Batismo inicia uma vida cristã que vai crescendo ao ritmo do crescimento humano. Se este não for acompanhado por bons exemplos, primeiro dos pais e depois pelo dos padrinhos, aquele início de vida nova fica irremediavelmente e para sempre afetado. Poderemos esperar milagres no futuro? Não será tentar Deus para que faça o que nos pertence fazer como missão?

Face às dificuldades, bem reais, de conciliar a verdade do que é o Batismo cristão com as circunstâncias concretas de uma sociedade em processo acelerado de descristianização, várias experiências têm vindo a público um pouco por todo o lado. Vejo-as como tentativas aceitáveis de voltar à verdade do evangelho. Infelizmente reconheço que a tendência é a do facilitismo, que esconde a verdade da maravilha do Batismo, sacrificada à tentação de manter a cristandade, isto é, as estatísticas no número de batizados. Infelizmente teimamos em não ver a realidade: não vale a pena «falsificar» o processo. Ou evangelizamos, isto é investimos nos pais e padrinhos despertos para a realidade do dom de Deus, para o valor e novidade do Batismo, para a inserção na comunidade, ou então contentamo-nos com «acabar com os padrinhos», com banalizarmos a celebração confiando-a até a «qualquer um». Vamos admirar-nos que o «desbatismo» esteja na ordem do dia por este Ocidente decadente?

P. S. - A propósito, uma feliz surpresa ontem realizada: meu sobrinho, emigrado em Paris, disse-me há tempos que gostaria de celebrar uma missa em acção de graças no dia do baptizado, precisamente em dia de consoada. Com a esposa e os quatro filhos e toda a minha família, tal celebração precedeu a nossa Consoada.

P. Abílio Cardoso

Publicado em 2022-12-27

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