UM OLHAR OUTRO
17 de Setembro de 2023
O nascimento de Jesus, que celebramos todos os anos,
marca um começo novo, assinalado na História com um antes e um depois, e, na
vida dos crentes, como realização de uma promessa de Deus. Dada a riqueza desta
novidade, encarnação de Deus no Humano, foram muitas as manifestações de júbilo
ao longo da História da Humanidade. Nenhum tempo e nenhuma manifestação esgota,
por si só, a densidade do mistério celebrado. Olhando a História, maravilhamo-nos
com as inúmeras criações no campo da arte, sobretudo na música e na pintura. De
facto, a melhor inspiração dos artistas está nos evangelhos. Já Lucas e Mateus
construiram as suas narrativas da infância de Jesus deixando o não-dito em
aberto de modo que todos, em todos os tempos, possam levar sempre mais longe a
expressão do mistério: Deus visita o Humano e gosta de viver na Tenda dos
Homens e Mulheres de todos os tempos.
A vida de cada cristão tem também um antes e um
depois. E está marcada pelo dom que se propõe à aceitação livre por parte do ser
humano. Evangelizados, ou seja, tocados pela Boa Nova de Jesus, espera-se uma
aceitação livre tornando-nos seguidores de uma Mensagem, uma Boa Nova, uma nova
doutrina assumida como Caminho de felicidade. É o Batismo.
O Papa Francisco dá o devido relevo a este acontecimento
pessoal, a ponto de convidar a dar-lhe mais relevo do que ao nascimento. Em
tempos de cristandade, o exagero foi de tal ordem que, até por medo, se
batizava logo nos primeiros dias de uma criança, sem qualquer preparação que
ajudasse a tomar consciência do que se vivia nos primórdios do cristianismo: as
crianças eram baptizadas apenas aquelas que pertenciam a famílias cristãs,
sendo estas constituídas por adultos batizados, que fizeram o catecumenado, período
intenso de preparação.
Desvalorizado o elemento da adesão livre à proposta de
Jesus, facilmente abandonamos a preparação, considerando que «todos estão
preparados (quem acredita que tal se verifique ainda hoje?). Deste modo,
facilmente o Batizado ocupa um lugar apenas social, desligado de convicções que
comprometem. Ou então as convicções aparecem tocadas por práticas
supersticiosas, sinais de um paganismo que se mantém. Acresce ainda que, no
seio de famílias cada vez menos cristãs, o relevo passou delas para os
padrinhos, condescendendo a Igreja com todas as demandas abusivas e sem qualquer
respeito pelo dom de Deus, de que a Igreja deve cuidar.
Ora o Batismo inicia uma vida cristã que vai crescendo
ao ritmo do crescimento humano. Se este não for acompanhado por bons exemplos,
primeiro dos pais e depois pelo dos padrinhos, aquele início de vida nova fica
irremediavelmente e para sempre afetado. Poderemos esperar milagres no futuro?
Não será tentar Deus para que faça o que nos pertence fazer como missão?
Face às dificuldades, bem reais, de conciliar a
verdade do que é o Batismo cristão com as circunstâncias concretas de uma
sociedade em processo acelerado de descristianização, várias experiências têm
vindo a público um pouco por todo o lado. Vejo-as como tentativas aceitáveis de
voltar à verdade do evangelho. Infelizmente reconheço que a tendência é a do
facilitismo, que esconde a verdade da maravilha do Batismo, sacrificada à
tentação de manter a cristandade, isto é, as estatísticas no número de
batizados. Infelizmente teimamos em não ver a realidade: não vale a pena
«falsificar» o processo. Ou evangelizamos, isto é investimos nos pais e
padrinhos despertos para a realidade do dom de Deus, para o valor e novidade do
Batismo, para a inserção na comunidade, ou então contentamo-nos com «acabar com
os padrinhos», com banalizarmos a celebração confiando-a até a «qualquer um». Vamos
admirar-nos que o «desbatismo» esteja na ordem do dia por este Ocidente
decadente?
P. S. - A propósito, uma feliz surpresa ontem
realizada: meu sobrinho, emigrado em Paris, disse-me há tempos que gostaria de celebrar
uma missa em acção de graças no dia do baptizado, precisamente em dia de
consoada. Com a esposa e os quatro filhos e toda a minha família, tal
celebração precedeu a nossa Consoada.
P. Abílio
Cardoso
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