UM OLHAR OUTRO

28 de Junho de 2020

Que tem a dizer Rodney Stark, o historiador que temos vindo a comentar, sobre a Idade Média? É sobre ela que se dedica o capítulo 4 do Falso Testimonio, que ele titula Impondo a Idade das Trevas.

Autores do Iluminismo olharam para o milénio entre a queda do Império Romano, às mãos dos bárbaros, em 476, após incursões ao longo de uma centena de anos, e o ano 1300, para acusarem a Igreja Católica de impedir o progresso. «Durante muito tempo, a opinião dominante dizia que, após a queda do Império Romano, a Europa passou por um longo milénio de ignorância que ficou conhecido como «Idade das Trevas», ou «Séculos de escuridão» e até ‘Idade da Fé’. O famoso historiador de Cambridge J. B. Bury (1861-1927) observou que quando o imperador Constantino adoptou o cristianismo, este inaugurou um milénio em que a razão esteve encadeada, o pensamento foi escravizado e o conhecimento não progrediu em nada». 

Petrarca (1304/1374) foi quem classificou o período desde a queda do Império Romano até ao seu tempo como tempo de «obscuridade». Depois dele, muitos outros continuaram com o mesmo juízo anti-católico, tais como Voltaire, Rousseau, Gibbon, Bertrand Russel, aliando a barbárie à religião e estigmatizando a Igreja Católica como culpada de tais «trevas» em que os povos viveram. Daí que, em finais do século XIV, se denomine o período que se inicia como o Renascimento, aliado à ideia de redescoberta da cultura clássica. E o Renascimento surge, dizem alguns, devido ao enfraquecimento do controle da Igreja sobre grandes cidades da Europa, como Florença. Assim, o conhecimento não controlado pela Igreja levou ao Iluminismo, Idade da Razão ou Idade das Luzes, começado no século XVI. 

«Em síntese, a história ocidental passou por quatro grandes idades ou eras: 1) Antiguidade Clássica; 2) Seguindo-se a Idade das Trevas, com predomínio da Igreja; 3) depois dela, o Renascimento e o Iluminismo; 4) Finalmente, e na continuidade daquelas, os tempos modernos. Durante vários séculos foi este o esquema organizativo básico dos manuais de história ocidental, e isso apesar de haver vários historiadores sérios conscientes desde há décadas de que este esquema era uma autêntica fraude». 

É que, de facto, os séculos obscuros, ou a «idade das trevas» nunca existiram. E propõe-se o nosso autor deixar bem provada a sua afirmação. «Até reputadas enciclopédias apresentam agora a Idade das Trevas como um mito. The Columbia Encyclopedia rejeita a expressão, indicando que ‘já ninguém pensa que a civilização medieval tenha sido tão pobre’. Por seu lado, a Enciclopedia Britânica desdenha da expressão ‘Idade das Trevas’ por considerá-la pejorativa». 

Falando do «mito da Idade das Trevas», lembra o autor que a queda de Roma não impediu o desenvolvimento cultural que já existia em muitas cidades do Império. «Incrivelmente, a Idade Média não só não representou nenhuma ‘queda’ em ‘Idade das Trevas’, mas, antes, foi ‘uma das idades da Humanidade que se destacou pelo seu forte carácter inovador’, na qual se desenvolveu a tecnologia e se pôs ao serviço do homem ‘numa medida nunca antes conhecida em qualquer civilização’, como afirmou o historiador francês Jean Gimpel. Foi, com efeito, durante esses séculos ditos obscuros que a Europa deu o grande salto tecnológico que a pôs à frente do resto do mundo. Como puderam alguns historiadores ter falseado tão gravemente a realidade?» 

Stark avança com a sua explicação: a ideia de que a Idade Média foi uma Idade das trevas foi uma fraude que se deve sobretudo a intelectuais claramente anti- religiosos, como Voltaire e Gibbon, para dar ênfase à sua era como «das Luzes» ou do «iluminismo». Por outro lado, os intelectuais quase sempre se interessam apenas por assuntos literários e é verdade que o latim no pós queda do império Romano não era cultivado como nos escritores romanos. Também desapareceram as grandes cidades, como centros culturais como os de Roma ou Alexandria. Paris, por exemplo, no ano 1000 tinha apenas 20.000 habitantes. Talvez a maior razão para explicar o mito foi «a incapacidade dos intelectuais de valorizar ou mesmo de perceber os aspectos práticos essenciais da vida real. Daí que passassem despercebidas revoluções como nos campos da agricultura, do armamento e da prática da guerra, da energia não humana, do transporte, do fabrico de produtos e do comércio. E aconteceu o mesmo quanto ao notável progresso moral. Assim, por exemplo, no momento da queda de Roma a escravidão existia por toda a Europa; quando chegou o Renascimento, há tempos que ela já tinha desaparecido. 

Afinal, os criadores do mito - e há tanta gente dita «culta» no nosso tempo que se mantém refém deste mito- passaram ao lado do enorme progresso na música, na arte, na ciência. Como o nosso autor vai demonstrar de seguida. 

O Prior - P. Abílio Cardoso

Publicado em 2020-06-28

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