UM OLHAR OUTRO

26 de Setembro de 2020

Ninguém ignora a evolução havida nos últimos tempos. Particularmente no que toca a comportamentos, a regras morais, a normas de convivência cívica. O mesmo se pode dizer, com mais razão ainda, nos comportamentos cristãos pessoais ou eclesiais. Não apenas na menor frequência das igrejas mas também nos hábitos e tradições religiosos, que marcaram as gerações passadas e que hoje, permanecendo sem vigor, tendem a desaparecer.

Já aqui falei dos funerais e dos casamentos. Hoje falo dos baptizados. Sou, e quero continuar a ser, um resistente face à pressão de mundanização total no que toca aos sacramentos. Acredito que estamos a pagar uma excessiva sacramentalização do passado, sem a prévia evangelização cuidada, que deu como resultado uma religiosidade, às vezes bem pagã e supersticiosa.

A experiência feliz, difícil é verdade, no propor a beleza do ser cristão - que começa precisamente no baptismo, que deve ser sempre preparado por pais e padrinhos, e, de preferência, celebrado em comunidade – a «família» reunida ao domingo - compensa os dissabores daqueles que nem querem preparação (já são muito raros felizmente), nem querem padrinhos crismados (e tão «praticantes» quanto eles, isto é nada), nem querem pertença eclesial. Dá mesmo gosto ver como gente alheada da fé, por vezes carregada de preconceitos, mas aberta a uma proposta diferente do evangelho de Jesus e da acção da Igreja, se começa a inquietar e evolui no sentido de desejar aprofundar a descoberta do verdadeiro Jesus. Por isso dá gosto ver famílias que não vêm a uma ou duas reuniões, mas até continuam a vir depois do baptizado.

O que me reforça a convicção de que a Igreja, na sua acção pastoral, não tem alternativa: ou forma os cristãos antes de sacramentar - e todos hoje têm cultura, na maior parte até cultura superior - ou, dizendo sim a todos os pedidos sem cuidar antes do terreno, apenas dá continuidade a uma cristandade cada vez mais pagã. Quantas vezes já ouvimos os analistas, teólogos e sociólogos, que o tempo da cristandade já passou?

Vem isto a propósito de uma notícia que li no La Croix, jornal francês. Dizia ele, citando: «Não haverá mais a leitura da acta, nem a assinatura dos pais, padrinho e madrinha, dos noivos e testemunhas nas celebrações». E acrescentava: a decisão foi aprovada em 2018 pela assembleia dos chanceleres. Ligada à assembleia dos bispos católicos do Quebec e a pôr em prática no primeiro dia do ano 2020 nesta província do Canadá. A partir de então uma única assinatura se torna necessária nos assentos de baptismo, casamento e funeral, a do pároco ou responsável da paróquia». A notícia continua e justifica a decisão mais por aspectos práticos e para simplificação do processo do que por razões de ordem teológica e pastoral. Claro que a notícia me fez pensar naquilo que é o essencial do acto sacramental e naquilo que é o acessório. Também aqui se pode abrir um campo de trabalho para elucidar os fiéis, de modo a que ponham sempre em primeiro lugar a adesão à pessoa de Jesus por parte do baptizando, ou dos seus pais e padrinhos, e só depois os aspectos mais práticos.

Dadas tantas dificuldades para conciliar o que são as normas dos baptizados com a realidade de cada família e comunidade paroquial - dizem que cada um faz o que quer, melhor, talvez, o que pode - foi-se evoluindo, nos últimos tempos da realidade do padrinho para uma outra, a de testemunha. Um «remendo», é claro, que continua a «passar ao lado» do essencial, a adesão a Jesus, o que se deve cuidar com antecedência, sem que isso tenha de implicar a ruptura imediata. Há momentos, e são muitos, em que a fidelidade de um sacerdote à sua própria consciência e à Igreja de quem recebeu o mandato, é posta à prova.

Há tempos, o pedido para «passar o papel para ser padrinho» chegava a dois dias do acontecimento. Era de um «não praticante nem crismado nem pertencente à paróquia», no mesmo nível dos pais. E perguntava-me a mim próprio quem seria o colega que estaria agora a ser pressionado para algo que exigiria um tratamento cuidado para que as pessoas envolvidas fossem elucidadas sobre a beleza do ser cristão e da importância

do baptismo. A tal «pedinte» apenas lhe pude garantir que tinha sempre as portas abertas para o ajudar na descoberta de Jesus. Para tal, não precisaria de inscrição na paróquia, nem de se dizer praticante ou não, nem pagar por isso. O Pároco, servidor numa paróquia, antes de mais é um sacerdote ao serviço da evangelização destinada a todos.

O Prior - P. Abílio Cardoso

Publicado em 2020-09-27

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