
A IGREJA CATÓLICA EM PORTUGAL
Alberto João Jardim
Fui
avisado por um colega que ia passar pela RTP 1 um debate sobre o futuro da
Igreja. Inserido no programa de Carlos Daniel “É ou não É?”, parece, dizia-me o
colega, que o painel seria interessante.
Preparei-me. E, nesse processo de preparação para assistir ao
programa, passaram pela minha moina várias temáticas razoavelmente candentes,
até porque o título do programa seria “Que futuro para a Igreja?”
Passou-me pela cabeça que o tema dominante cairia sobre o Papa
Francisco e o seu pontificado apaixonante e acidentado, a sua vontade de uma
Igreja em saída, que sacudisse o pó dos incensos e da autorreferencialidade, um
Igreja “hospital de campanha”, que vai ao encontro dos homens, sobretudo dos
mais excluídos e periféricos.
Passou-me pela cabeça o papel da mulher numa Igreja profundamente
masculinizada, para não dizer machista, onde as mulheres, que constituem dois
terços dos católicos observantes, continuam a ter um papel dolorosamente
secundário nos grandes momentos de decisão, mesmo com o trabalho do Papa Francisco,
e sabendo que, em temas como este, para a Igreja se mexer um centímetro são
necessários muitas quilotoneladas de energia e boa vontade.
Passou-me pela cabeça a questão do sínodo e da sinodalidade na
Igreja, esforço conjunto, onde todos têm o seu lugar, uma vez que a questão
sinodal tem a ver com o caminhar juntos: outra vez Francisco a tentar pôr em
prática uma das maiores revoluções do último Concílio – se não a maior – que é
considerar a Igreja não como sociedade hierárquica mas como Povo de Deus, onde
os leigos têm um papel tão importante como os membros do clero.
Passou-me pela cabeça o tema do diálogo inter-religioso que, na
Europa, assume contornos de urgência, com a temida vaga islâmica a entrar
portas adentro e a necessidade de uma convivência pacífica com todos os crentes
de boa vontade.
E o que é que eu vejo, logo como tema de entrada, “ex-abrupto”, e
que comeu mais da metade do debate? A pedofilia. A Igreja e a pedofilia. A
pedofilia na Igreja. Parece uma substância viscosa que se apegou ao corpo da
Igreja e é já impossível, em ambientes mais laicos, pensar a Igreja sem olhar
para essa mancha de sujidade que cobre, como pústulas, a sua credibilidade. Nos
ambientes mais afastados, pensar em Igreja é ligá-la intrinsecamente a esse
mal. Eis aonde nós chegámos.
Eu podia dizer que a pedofilia não é apanágio da Igreja, que é
transversal e multifacetada. E podia dar como exemplo o caso de França, que
fala em cerca de 200 a 300 mil crianças e adolescentes abusados nos últimos
setenta anos por membros da Igreja, quando uma estimativa diz que, no mesmo
período de tempo, mais de cinco milhões de crianças foram abusadas em França.
Quem assume essa responsabilidade de resgatar e proteger as pessoas cujos
traumas de infância as marcaram para sempre?
Eu podia acrescentar que a Igreja Católica, até há pouco tempo,
foi a responsável pelo acolhimento e educação de cerca de 90% das crianças
institucionalizadas em muitos países europeus, Portugal incluído. Numa análise
fria e feia, a ocasião faz o ladrão… Infelizmente.
Eu podia fazer finca-pé no facto de uma estimativa dizer que a
percentagem de membros do clero que praticou atos de pedofilia ou abuso de
menores se situar nos 4%, o que, segundo alguns, não está muito longe da
estimativa geral.
Em que é que isso diminui a responsabilidade da Igreja a respeito
de tais crimes? Nem um centímetro. Bastava um caso… são milhões. Bastava um
padre… são dezenas de milhares. E as crianças, sobretudo as
institucionalizadas, o elo mais fraco da sociedade inteira, o que mais precisa
ser protegido, educado, amado… é aí que se encontram os contornos mais
escandalosos e inenarráveis.
Pedro Nobre, psicólogo interveniente no debate, disse uma coisa
tremendamente veraz: o abuso de menores é também uma questão de poder.
Nas tentações do deserto, Jesus é levado pelo Diabo a um monte
alto de onde se avistam todos os poderes da Terra. E o Diabo diz a Jesus que,
se Este o adorar, Lhe dará todos os poderes da Terra, porque pertencem ao
Demónio. O poder, quando não é serviço, é obra do Demo.
E o poder como “não-serviço” foi muitas vezes, demasiadas vezes
praticado dentro da Igreja. Nem falo em poderes papais nem em estados
pontifícios, nem em cruzadas ou inquisições, nem em bispos que eram – e alguns
ainda querem ser – senhores feudais, nem em padres tiranetes. Falo no poder
moral da Igreja, na sua voz sobre as consciências dos cristãos, na sua missão
de colaborar na salvação de Cristo (“se fizeres o que te mandamos, estás sempre
no bom caminho”). O abuso desse poder é fatal. E foi na base do abuso desse
poder, um poder abusivamente hierárquico, ético, psicológico, secreto e
silencioso, nessa áurea esfumada de cumplicidade e domínio, que se gerou o
caldo para a impunidade do crime: o abusador sabe que não vai ser incriminado.
Sabe que pode tudo. Sabe que o silêncio é ouro. Sabe que está a destruir uma
vida. Numa estrutura fechada, está protegido.
Quando é que vamos aceitar, de uma vez por todas, que a autoridade
moral da Igreja não é um poder mas um serviço? É preciso virar muita coisa de
pernas para o ar… é necessária uma viragem que deverá custar os olhos da cara a
muito boa gente.
Nos Evangelhos, encontramos um Jesus a insistir constantemente que
veio para servir e não para ser servido, que quem se faz humilde será exaltado,
que quem quer ser o primeiro deve ser o último ou quem quer ser o senhor deve
ser servo, que devemos ser como crianças para herdar o Reino.
Reconheço que já é muito assim, que a Igreja, à imagem do coração
do seu Fundador, no silêncio da sua ação, já é muito assim. É preciso que seja
toda assim.
*Este artigo foi publicado na edição desta sexta-feira, 10 de dezembro de 2021, do Diário
Insular, na rubrica Rua do Palácio.
Alberto João Jardim
João Gonçalves, In Jornal de Notícias, 27/03/2023
João Gonçalves, In Jornal de Notícias, 13/03/2023
Esta ideia de que as crianças podem auto-diagnosticar que são do outro sexo – sem qualquer acompanhamento médico especializado - e submeter-se à dependência de drogas para o resto da vida, é um desvio total do protocolo médico normal.
Não sou católico. Mas também não sou anticatólico, nem acho que tenha nada a ganhar com o laicismo que os mata-frades de ontem e de hoje acham que é um progresso.
Cristo funda a Igreja sobre aquele que o traíra horas antes, o que significa que assume que a obra tenha pés de barro. Assim, qualquer objeção à Igreja que venha do “barro”, do limite, não procede!