O DISCURSO DE VARSÓVIA

O discurso que Donald Trump ....

O discurso que Donald Trump proferiu em Varsóvia já foi qualificado como “histórico”.  Revelou uma profundidade doutrinal e uma qualidade retórica que contrasta com a superficialidade de outros seus discursos. Nele são vigorosamente exaltados os valores da civilização ocidental, com a sua nítida marca cristã, brilhantemente descritos:

«Compomos sinfonias. Buscamos a inovação. Celebramos os nossos heróis antigos, abraçamos os nossos costumes e tradições perenes, e procuramos sempre explorar e descobrir novas fronteiras. Premiamos o brilhantismo, aspiramos à excelência e apreciamos as obras de arte inspiradoras que louvam a Deus. Valorizamos o Estado de Direito e protegemos do direito à liberdade de expressão. Capacitamos as mulheres como pilares da nossa sociedade e do nosso sucesso. Colocamos a fé e a família, não o governo e a burocracia, no centro das nossas vidas. E debatemos tudo. Desafiamos tudo. Procuramos conhecer tudo, para que possamos conhecer-nos melhor a nós próprios. E, acima de tudo, valorizamos a dignidade de cada vida humana, protegemos os direitos de cada pessoa e partilhamos a esperança de cada alma a viver em liberdade. Isso é o que somos. Esses são os laços sem preço que nos ligam como nações, como aliados e como civilização»

A Polónia é apresentada como baluarte dessa herança civilizacional, facto de que são expressão a sua heróica resistência aos totalitarismos nazista e comunista. A missão de João Paulo II e a sua primeira visita, como Papa, à sua terra natal são evocadas como notáveis marcos históricos. A propósito do acolhimento popular que este recebeu em Varsóvia, afirma-se: «Um milhão de polacos não pedia riqueza. Não pedia privilégios. Em vez disso, esse milhão de polacos dizia três palavras simples: “Nós queremos Deus”. Nestas palavras, o povo polaco evocava a promessa de um futuro melhor».

O futuro desta precisa herança está em perigo – salientou com ênfase Donald Trump:

«A questão fundamental do nosso tempo é a de saber se o Ocidente tem vontade de sobreviver. Temos confiança nos nossos valores a ponto de os defender a qualquer custo? (…) Podemos ter as maiores economias e as mais eficazes armas letais da Terra, mas se não tivermos famílias fortes e valores fortes, seremos fracos e não sobreviveremos».

A tão contestada figura de Donald Trump recebeu longos e entusiásticos aplausos da audiência a quem dirigiu este discurso.

Eu também aplaudiria partes do discurso como as que transcrevi. Na verdade, há uma precisa herança cultural que a Europa, e o Ocidente em geral, deveriam preservar e que é ameaçada pelo relativismo imperante e pela crise da família. E, como dizia o historiador inglês Arnold Toynbee, as civilizações morrem mais por suicídio do que por homicídio.

Mas, precisamente porque assim é, coloco as minhas sérias reservas à coerência de quem profere este discurso e segue políticas de hostilidade aos refugiados e imigrantes, como se a sobrevivência de uma civilização dependesse do fecho de fronteiras (questão a que também discretamente se alude no discurso e que corresponde à orientação que preside às políticas dos atuais governos norte-americano e polaco).

Sobre esta questão, afirmou o Papa Francisco no discurso que deixou escrito quando visitou a Universidade Roma Tre, em 17 de fevereiro passado: «Considerando que a primeira ameaça à cultura cristã da Europa vem precisamente do seio da Europa, o fechamento em si mesmos ou na própria cultura nunca é a solução para voltar a dar esperança e realizar uma renovação social e cultural. Uma cultura consolida-se através da abertura e do confronto com as outras culturas, desde que haja uma consciência clara e madura dos próprios princípios e valores». Na verdade, a perda da identidade cristã da Europa vem da sua própria infidelidade, não de uma qualquer “invasão”. E uma cultura forte não se perde no contacto com outras, antes com este se consolida e enriquece.

Mais ainda: a fidelidade às raízes cristãs da Europa e do Ocidente não é uma questão de retórica, ou de simples preservação de tradições, consolida-se com comportamentos coerentes com o ideal de fraternidade universal que está no centro da mensagem cristã: «Não há judeu nem grego, escravo ou homem livre, homem ou mulher, porque vós sois um em Cristo Jesus» (Gal 3, 28). E é, precisamente, a fidelidade a essa mensagem e a esse ideal que impõe o acolhimento de refugiados.

 

Pedro Vaz Patto, In Voz da Verdade 03.09.2017

Publicado em 2017-09-27

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