
SEMANA SANTA E GRANDE!
13 de abril de 2025
“Atendendo a este fundo cultural e religioso,
percebe-se que a palavra de Lucas e Mateus (1-2) não narra a conceção e o
nascimento de Jesus como se estivesse a vê-los por fora. Narra o que a fé
apostólica via por dentro desse acontecimento histórico: via o seu sentido
teológico.
A palavra da fé não perguntava sobre um facto
biológico extraordinário e humanamente impossível; nem dava a ideia de que as
relações matrimoniais tornariam a geração de Jesus menos pura ou indigna d’Ele,
numa espécie de exaltação da castidade da mãe. O que a fé via está para além do
modo como possam ter acontecido a conceção e o nascimento de Jesus ao nível
físico, biológico, ginecológico.
(...) É narrativa religiosa, de pura fé, para
suscitar mais fé. Não se podem colocar à narrativa perguntas de fisiologia, às
quais ela não quer nem consegue dar resposta e para as quais não foi pensada.
Não tem intenção de fazer biografia ou informar sobre história. Quer formar a
fé sobre o ser daquele menino. Quer dizer que Deus se comprometeu, pelo seu
Espírito, no nascimento dele. Deter-se a perguntar «como pôde Maria conceber
sendo virgem?» seria tão absurdo como colocar perguntas de ciências naturais
ou de historiografia a uma poesia. Perguntas desse género condicionam e
estorvam a captação da mensagem humana e religiosa desses textos, que é a que
constitui palavra de Deus.
Os leitores imediatos não faziam essas perguntas
(nem o leitor sensato faz perguntas sobre como decorreu o concílio dos deuses
nos primeiros versos do canto V da Odisseia de Homero). Acolhiam a verdade
Espiritual para a qual aponta a virgindade enquanto realidade absoluta, a de
uma pessoa livre de qualquer posse por parte dos humanos: entravam e ficavam na
contemplação de Jesus como Filho de Deus e de Maria como sacrário do Filho de
Deus.
Portanto, a verdade da conceção de Jesus por ação
do Espírito não pode nem quer ser demonstrada; quer ser acreditada. Só a fé
capta tão sublime verdade.
A afirmação do nascimento de Jesus da virgem Maria
está narrativamente ao serviço da fé pascal para identificar Jesus como Filho
de Deus: envolve-o e vê-o no mistério de Deus. Aliás, o ato de fé na conceção
virginal de Jesus, expresso nas narrativas bíblicas, só se pode entender no
contexto da fé na sua ressurreição pela ação do Espírito de Deus.
De facto, essas narrativas pressupõem uma
meditação retrospetiva sobre as origens de Jesus à luz da ressurreição, que
revelou plenamente o mistério do seu ser. Como a fé cristã dizia que foi o
Espírito do Pai a fazê-lo ressuscitar para a vida Espiritual, também disse que
foi o Espírito a fazê-lo nascer para a vida física: “O anjo do Senhor respondeu
[a Maria]: o Espírito Santo virá sobre ti…; por isso, aquele que é concebido
santo será chamado Filho de Deus” (Lc 1,35).
O título Filho de Deus é posto na palavra do “anjo
do Senhor” como a boa nova da ressurreição, significando que, no nascimento
como na ressurreição é afinal Deus que pode revelar quem é o seu Ungido (Lc
1,26-38; 2,9-15 e 24,4-7). O acontecimento teológico da ressurreição de Jesus
projetou luz sobre a sua vida terrena, também sobre a conceção e o nascimento.
As narrativas desses dois acontecimentos não são
literatura de ficção. Mas eles não sucederam à letra nos pormenores, com a exatidão
factual que uma visão historicista gostaria de descobrir nelas: são fusão do
factual com o imaginado. Jesus, Maria, José, João, Isabel, Zacarias, os
pastores… são personagens históricas: a conceção e o nascimento de Jesus aconteceram
mesmo. Belém, Jerusalém são lugares conhecidos.
Aquilo que é literariamente tecido com as imagens
que iluminam o factual é a trama pormenorizada do anúncio da conceção e do nascimento
do menino, o magnificat que o celebra, a narrativa dos magos que o vêm adorar
como forma de reconhecer a sua divindade... As citações trazidas do Antigo Testamento
querem iluminar teologicamente os mistérios relacionados com o nascimento de
Jesus. Por meio do midráš narrativo, o seu nascimento objetivo evidenciava “a
plenitude dos tempos” e realizava a esperança do povo ligado à revelação
bíblica, dando-lhe voz e substância: aparecia como anel central da cadeia da
história salvífica, entre o Antigo Testamento e o Novo.
O midráš (a narrativa), com o ramalhete de
palavras das Escrituras, sugeria que Jesus tinha “cumprido” à perfeição as
profecias e promessas nelas contidas, isto é, o desígnio salvador de Deus para
a humanidade. Os embelezamentos literários (anunciação do anjo, chacina dos
inocentes, fuga para o Egito…) fecundavam de sentido transcendente os factos
históricos mencionados. Eram espiritualidade a meditar a história: sugeriam o
invisível, que o historiador não poderia contar. O midráš narrativo convida o leitor
a ver para além de si mesmo, a transferir-se para dentro do mistério e a
deixar-se orientar por ele a partir do Alto, enlevado na contemplação pela
virtude da palavra” .
Armindo dos
Santos Vaz, in Secretariado Nacional de Liturgia).

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