«O MENINO CRESCIA, TORNAVA-SE ROBUSTO»

31 de Dezembro de 2023

“O pequeno tem apenas 40 dias, e os seus pais, de Belém, deslocam-se para a vizinha Je­rusalém, «para fazer aquilo que a Lei prescrevia a seu respeito».

O mesmo evangelista reporta explicitamente a dois textos bíblicos: o primeiro respeitan­te ao resgate do primogénito, que pela lei era consagrado e destinado a Deus (Êxodo 13, 2); o segundo que determina o sacrifício animal para a read­missão plena da mãe na co­munidade, depois do período de “impureza” sacral ligado ao parto (Levítico 12, 8).

Imaginemos, assim, esta pe­quena família que entra nos espaços faustosos do templo erigido por Herodes a partir de 19 a.C. Maria dirige-se para o átrio reservado às mulheres, diante da denominada “Porta de Nicanor”, do nome do ben­feitor, um judeu da diáspora de Alexandria do Egito, que a tinha feito edificar e ornar.

Como matéria sacrificial eram prescritos um cordeiro e uma pomba; para os pobres sus­pendia-se a oferta do cordeiro, demasiado caro, substituin­do-o com um casal de rolas ou pombas. E é isso que pode oferecer o modesto casal Ma­ria e José. Termina aqui o ato ritual. Mas a narração tem uma reviravolta com a entrada em cena de duas figuras judaicas deveras inesperadas, nas quais Lucas encarna simbolicamente a expetativa do Israel fiel.

O primeiro personagem é «um homem justo e temen­te a Deus» de nome Simeão, que entoa um doce mini-sal­mo, tornado famoso pelo seu “incipit” na versão latina de S. Jerónimo, “Nunc dimitis”, usa­do na liturgia católica como o hino das Completas, a oração da noite. «Agora podes deixar que o teu servo vá em paz, se­gundo a tua palavra, porque os meus olhos viram a tua salva­ção, preparada por ti diante a todos os povos: luz para te re­velares aos gentios e glória do teu povo, Israel» (2, 29-32).

O romancista vitoriano An­thony Trollope põe nos lábios do protagonista de “The war­den” (“O guardião”), o eclesiás­tico e violoncelista Mr. Har­ding, chegado ao final da vida, precisamente as palavras de Simeão, enquanto se abando­na «à loucura dos seus velhos dedos», extraindo das cordas do seu instrumento «uma lamentação baixíssima, de breve duração, a intervalos».

O “Nunc dimittis” (Agora, Se­nhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso ser­vo) é, na realidade, um hino festivo de esperança concre­tizada, entoado enquanto Si­meão aperta entre os braços o recém-nascido Jesus.

Logo depois, porém, a voz des­te ideal profeta judeu, cristão “ante litteram” aos olhos do evangelista, muda de registo e torna-se sombrio, ao emitir um oráculo severo dirigido a Maria: «Eis que Ele [Jesus] está aqui para a queda e ressurreição de muitos em Israel e como sinal de contradição – e também a ti uma espada trespassará a alma –, para que sejam desvelados os pensamentos de muitos co­rações (2, 34-35).

Lucas, nestas palavras, vê an­tecipado o destino de Cristo, «sinal de contradição», como, em adulto, o próprio Jesus de­clarará: «Pensais que vim para trazer a paz à Terra? Não, digo-vos, mas a divisão!» (12, 51).

A partir do século XVI, o sím­bolo da espada que trespassa a alma da mãe tornar-se-á a base par a estatuária mariana da “Mater dolorosa”, com as sete espadas sobre o peito, si­nal de plenitude no sofrimen­to.

Mas, depois da tenebrosa pro­fecia de Simeão, aparece a ou­tra figura a que acenávamos: é uma terna e serena velhinha de 84 anos, Ana, de quem se oferece também o bilhete de identidade (filha de Fanuel e da tribo setentrional de Asher). A sua presença constante e orante no templo, como acon­tece ainda hoje a muitos fiéis idosos, é semelhante a um sor­riso, enquanto «louvava Deus e falava do menino a quantos esperavam a redenção de Je­rusalém» (2, 38).

Cai o pano sobre o pequeno judeu Jesus, e Lucas anota que «o menino crescia e fortificava-se, pleno de sabedoria, e a gra­ça de Deus estava sobre Ele» (2, 40)”.

(Card. Gianfranco Ravasi, in Se­cretariado Nacional da Pastoral da Cultura).

Publicado em 2024-01-09

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