«ALELUIA: A PLENITUDE DA ALEGRIA»

31 de Março de 2024

«Na plenitude da alegria pascal, exultam os homens por toda a terra…»: durante os cinquenta dias entre a vigília pascal e o Pentecostes, o prefácio da oração eucarística da missa convida-nos diariamente a viver a alegria da ressurreição.

Uma alegria universal que de­veria envolver toda a humani­dade. «Alegrai-vos e exultai», exortava-nos o papa Francisco há três anos, ao citar as palavras de Jesus dirigidas «a quantos são perseguidos ou humilhados por causa dele» (“Gaudete et ex­sultate”, 1). Toda a liturgia é um convite constante a fazer festa: do “Exsultet” da grande vigília ao canto do “Regina coeli (Raínha dos céus)”.

Podemos perguntar-nos se em tudo isto não há retórica a mais. O que é esta «plenitude da ale­gria que canta o prefácio? Quan­ta alegria é possível verdadeira­mente experimentar «neste vale de lágrimas»? Qual é a felicidade a que podemos realisticamente aspirar nas contradições da vida?

A humanidade que deveria exul­tar sobre toda a Terra continua ferida e sofredora. As catástrofes naturais continuam a acontecer, e para populações inteiras as ca­restias não são uma recordação do passado. As guerras recome­çam sempre, apesar do empe­nho de muitos construtores de paz. Os acidentes nas estradas acontecem e os casamentos fa­lham. O mal não cessa de morder a carne dos mais frágeis, nas for­mas mais diversas, mas também não poupa ricos e poderosos. É possível, é lícito a alegria nestas condições? Não se trata de uma alegria falsa, forçada, ou que no máximo abrange apenas poucos momentos da vida ou um restri­to número de afortunados?

A alegria cristã existe, e é autênti­ca. Precisamos dela precisamen­te para enfrentar os compromis­sos e os cansaços da vida, como ensinava às suas irmãs Santa Te­resa de Calcutá. Mas não é uma alegria excessiva, impudente, agressiva. Não solicita manifestações eufóricas e intemperan­tes.

Manifesta-se na luz dos olhos, mas brota e permanece no ínti­mo. É alegria incontida, mas mo­derada. É inebriamento sóbrio e espiritual. É uma felicidade visí­vel, mas nunca ostentada. Não suscita a inveja dos sofredores: antes, consola-os e contagia-os. A alegria cristã não é cega dian­te das dores da vida. Não é oti­mismo obstinado e obtuso, nem voluntária autoilusão. Não se contenta com um pensamento cor-de-rosa perante o persisten­te mal de viver.

Nos anos da pandemia ouvimos repetir, como um mantra, «cor­rerá tudo bem», e nas redes so­ciais partilhavam-se fotografias coloridas e tolas. Tentativas mi­seramente fracassadas de exor­cizar o medo. Não correu tudo bem. Muitas pessoas adoeceram e muitas morreram. Muitíssimas sofreram pesadíssimos danos económicos. E ainda não aca­bou. Os males do mundo não são apenas a pandemia.

Contudo, tudo isto não preju­dica a verdadeira alegria cristã. Podemos, devemos, continuar a entoar o aleluia pascal. Porque, como cantava Leonard Cohen, «love is not a victory march: it’s a cold and it’s a broken “Hallelu­ja”» (O amor não é uma marcha de vitória. è um frio e quebrado). A exultação pascal é filha do amor, e o amor, quando verdadeiro, não é uma marcha triunfal. Ain­da não, por agora.

O amor é empastado de felicida­de e de sacrifício, em simultâneo, incindivelmente. O tempo da História é ainda o tempo de um aleluia muitas vezes «frio e des­pedaçado».

Um aleluia firmemente desejado, consciente, ferido pelas provações da vida, e todavia pleno de confiança, porque animado por uma esperança invencível. Por­que é um fio estendido entre a certeza histórica da ressurreição de Jesus e a espera escatológica da nossa ressurreição. A alegria cristã radica-se no “já” do acontecimento pascal – o túmulo vazio – e estende-se até ao «não ainda» das bodas do Cordeiro. Aquele túmulo vazio é profecia da Jerusalém celeste, quando finalmente «all shall will be well, and all manner of thing shal be well» (tudo ficará bem, e todas as coisas ficarão bem), como Juliana de Norwich ouviu dizer-lhe do Senhor Jesus.

Sim, ainda não está tudo bem, mas a alegria cristã não é um so­nho para gente iludida. Estamos nas mãos de Deus. Sempre. «Ale­gra-se o meu coração e exulta a minha alma: (…) porque não abandonarás a minha vida nos infernos…» (Salmo 15). Eis a fon­te da verdadeira alegria pascal, a viver em plenitude. Esta certeza de fé torna possível e lícito can­tar o aleluia também nos claros-escuros do presente. Melhor: não só é lícito, como é «nosso dever, é nossa salvação».

(Filippo Morlacchi, in Secretariado Nacio­nal da Pastoral da Cultura).

Publicado em 2024-03-30

Notícias relacionadas

SEMANA SANTA E GRANDE!

13 de abril de 2025

«O TEMPO DA SALVAÇÃO É HOJE»

26 de janeiro de 2025

«FAZEI O QUE ELE VOS DIZ E SERVI A TODOS O AMOR DE DEUS»

19 de janeiro de 2025

«JESUS SEGUIU O CAMINHO QUE DEUS LHE APONTAVA»

12 de Janeiro de 2025

«OUSAR TOMAR UMA POSIÇÃO»

22 de Setembro de 2024

«OUSAR TOMAR UMA POSIÇÃO»

15 de Setembro de 2024

desenvolvido por aznegocios.pt