«SER FAMILIAR DE JESUS»

9 de Junho de 2024

“No tema «irmãos de Jesus» importa reter que os escritos do Novo Testamento não são documentos de historiografia mas catequeses da fé cristã que visavam ilustrar e promo­ver a fé. E os dados por eles oferecidos pedem interpreta­ção, que também depende da perspectiva hermenêutica e das preocupações epistemo­lógicas do intérprete. A Bíblia diz que Jesus tinha irmãos. Mas uma coisa é o que a Bíblia diz; outra coisa é o que a Bí­blia queria dizer. E no «queria dizer» é que está o decisivo; ficar só com o que a Bíblia diz pode desandar em literalismo ou desfigurar o significado das suas narrações.

O hebraico e o aramaico – para sugerir ou afirmar consan­guinidade e afinidade – por razões antropológicas e não por pobreza da língua usavam um mesmo termo para vários graus de parentesco. De facto, essas duas línguas semíticas dizem irmão com a palavra ’āh e não têm outra específica para dizer primo-irmão, paren­te, consanguíneo, em vários graus: é ela que tem esse signi­ficado amplo.

Uma vez que – sem nenhuma pretensão apologética – a pa­lavra grega adelfós aplicada aos ditos “irmãos” de Jesus tem também o sentido de primo-ir­mão ou de parente próximo, por muito que alguém a quei­ra entender aí com o possível significado de irmão carnal do mesmo pai e da mesma mãe, nunca o poderá asseverar como doutrina definitiva

Quanto à designação de Jesus como “filho primogénito” de Maria (Lc 2,7), ela não implica que a mãe tivesse tido poste­riormente outros filhos. A ex­pressão era, na cultura hebrai­ca, a designação técnica/legal do primeiro filho, ao qual se associavam direitos e deveres: mesmo que fosse único, dizia-se «primogénito» e não «uni­génito».

Havendo na Bíblia grandes linhas com uma poderosa mensagem humana, social e espiritual – o humanismo da mensagem de Jesus, o perfu­me da sua palavra, a sua preo­cupação pela felicidade huma­na, o cuidado pelos pobres, doentes e aflitos, a influência da sua mensagem na trans­formação da sociedade para o bem, etc. –, o renovado inte­resse mediático pelo tema dos «irmãos de Jesus» tem o mérito de reforçar a sua humanidade e o realismo histórico da Encar­nação do filho de Deus na pes­soa dele, que viveu no seio de uma família estruturada.

Interessante é notar que o au­tor da carta aos Hebreus – com a intenção de mostrar à fé que o filho de Deus, para dar o sen­tido último à vida humana, as­sumiu todas as suas limitações (porque só salvaria aquilo que assumisse) – escreveu: Jesus “teve de assemelhar-se em tudo aos seus irmãos, para se tornar sumo-sacerdote mise­ricordioso, ao mesmo tempo que acreditado junto de Deus para apagar os pecados do povo” (2,17).

Esta relação com «os seus ir­mãos» exprime a solidarie­dade de Jesus com eles e a transformação qualitativa e es­sencial deles perante os outros e perante Deus. Jesus apelou à construção de uma frater­nidade universal (veja-se Fra­telli tutti, do Papa Francisco), assente na elevada dignidade do ser humano, inteiramente compartilhada e mais elevada por ele.

Propôs dilatar o sentido da fa­mília, deixando entender que o novo que ele preconiza não cabe na biologia, na física e nos laços de sangue mas se alarga na adesão aos valores da sua boa nova: “Disseram-lhe: «A tua mãe, os teus irmãos e as tuas irmãs estão lá fora à tua procura». Mas ele, em resposta, disse-lhes: «Quem é a mi­nha mãe e os meus irmãos?». E, olhando em redor para os que estavam sentados em cír­culo à sua volta, disse: «Eis a minha mãe e os meus irmãos! Pois aquele que fizer a vonta­de de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe»” (Mc 3,32-35).

A visão do ser humano em relação fraterna com ele é ao mesmo tempo  dom e tarefa, enquanto põe exigências à vida, ao amor, à atenção, e põe questões sobre o conteúdo úl­timo da existência”.

(Armindo dos Santos Vaz, in Secretariado Nacional da Pastoral da Cultu­ra)

Publicado em 2024-06-09

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