«O TEMPO DA SALVAÇÃO É HOJE»

26 de janeiro de 2025

“O advérbio σήμερον, em grego, que quer dizer hoje, aparece nos Evangelhos Sinóticos cerca de de­zasseis vezes, sendo seis vezes no Evangelho de Mateus, uma vez no Evangelho de Marcos e nove ve­zes no Evangelho de Lucas.

Lucas é o evangelista do hoje do nascimento do Salvador (2, 11) até ao hoje do Paraíso prometido ao ladrão arrependido (23, 43). O hoje em Lucas é usado com o pro­pósito de trazer ao ápice o tempo da promessa e, dessa forma, inau­gurar o tempo messiânico. Este hoje pragmatizado por Lucas não se estreita ao período da presença história de Jesus, mas antes alarga a um tempo permanente que se realiza através da missão da Igre­ja na procura incessante de viver hoje a salvação inaugurada por Jesus. O hoje da salvação é trazi­do por Jesus aos pecadores, aos cegos, aos coxos e moribundos, e por isso mesmo, parte da livre e espontânea vontade amorosa de Deus. Em Zaqueu, por exemplo, é patente o hoje de Jesus que inter­pela a vida do publicano e o hoje salvífico que é operado na exis­tência de Zaqueu.

O hoje lucano é o hoje da liber­tação, da manifestação do Reino de Deus entre os homens. Des­tarte, como na cura do paralítico de Cafarnaum (5,26), todo o povo maravilha-se perante a lídima au­toridade de Jesus que, através da sua Palavra, faz conceder no hoje, não somente a cura física deste homem, como também a cura espiritual, libertando-o da escra­vidão do pecado. Estas atitudes de Jesus revelam-nos o hoje ines­perado, a manifestação da mise­ricórdia que abarca, com gáudio e letícia, o mistério da existência humana. É este hoje adventício que faz o coxo saltar, os demónios afugentarem-se, as línguas salta­rem, os olhos abrirem, o ladrão se arrepender e a vida acontecer. Assim sendo, o hoje lucano tem como função ajudar o ser huma­no a abrir-se à atualidade da sal­vação, numa nova cronologia, sob a égide de Cristo, que transforma o hoje no dia sem ocaso da sua omnipotência salvadora.

A originalidade e a maestria de Lu­cas é, talvez, o equilíbrio que narrativamente é capaz de manter a figura de um Deus que conduz a história segundo o seu desígnio salvífico. O hoje é o espaço do encontro com a iniciativa salvífica do Pai e a responsável liberdade do homem. O hoje nos Sinóticos constitui um convite imperioso para que o homem possa conhe­cer e acolher esta novidade salvífi­ca. É o impulso para construir uma estratégia pragmática que incita no leitor o compromisso respon­sável, que nasce da consciência da bondade de Deus e da efeme­ridade da própria vida.

O hoje de Cristo revela que a sal­vação entra no mundo num pre­ciso momento da história e que este acontecimento acabou por transformar radicalmente a exis­tência humana. Toda a vida e to­dos os encontros de Cristo se fun­damentam no hoje da salvação. O seu hoje consiste em salvar o povo dos grilhões da escravidão e a sua vinda marca um ponto fulcral e indelével na história da salvação. Na conceção de S. Mateus (6, 11) o hoje de Jesus corresponde ao “pão nosso de cada dia” que traz e mantém a vida, consumando no hoje o patrocínio misericordioso de Deus.

O tempo é uma categoria pura­mente humana, necessária para orientar, ordenar e significar a existência do homem. O Deus Criador, na verdade, não se define com critérios da temporalidade humana. Ele existe desde sempre e para sempre. Entretanto, quan­do a ação de Deus se manifesta a favor do homem, fá-lo através de uma linguagem que ele pos­sa compreender. Assim sendo, o Deus bíblico age a favor de um povo que vive na história. O povo é chamado a viver, no tempo cro­nológico a que está sujeito, aque­la novidade salvífica que Deus inaugura através da Encarnação do Verbo, que é o tempo da sal­vação.

No Novo Testamento, propria­mente nos Evangelhos Sinóticos, o advérbio hoje assume uma no­vidade radical ao tempo do ho­mem com o hoje da salvação. A existência histórica de Jesus no hoje do homem, as suas palavras, os seus encontros, as curas, os exorcismos, as refeições, tornam-se a paradigmática do hoje eterno do mistério da salvação que Deus realiza através da Morte e Ressur­reição de seu Filho, como bem expressa o teólogo José Tolentino Mendonça: “O advérbio hoje im­põe o tempo presente para a ação expressa pelo Verbo” (“A Constru­ção de Jesus – A surpresa de um retrato”, p. 78).

O hoje de Jesus ultrapassa a cate­goria e expetativa humana sobre o tempo, porque na sua vida e, so­bretudo, no acontecimento pas­cal, supera todo e qualquer limite inelutável que é a morte. O even­to pascal, na verdade, diz uma pa­lavra nova e definitiva na história humana: o hoje é capaz de introduzir-nos no tempo escatológico do Reino de Deus, onde Cristo anuncia ao homem que Deus é eterno e que nem os grilhões da morte nem os limites do tempo cronológico possuem a última pa­lavra da vida humana. Portanto, já no tempo presente começa o hoje do tempo futuro”.

(P. Alexsander Baccarini Pinto, in Secreta­riado Nacional da Pastoral da Cultura).

Publicado em 2025-01-24

Notícias relacionadas

SEMANA SANTA E GRANDE!

13 de abril de 2025

«FAZEI O QUE ELE VOS DIZ E SERVI A TODOS O AMOR DE DEUS»

19 de janeiro de 2025

«JESUS SEGUIU O CAMINHO QUE DEUS LHE APONTAVA»

12 de Janeiro de 2025

«OUSAR TOMAR UMA POSIÇÃO»

22 de Setembro de 2024

«OUSAR TOMAR UMA POSIÇÃO»

15 de Setembro de 2024

«EU SOU O PÃO DA VIDA»

4 de Agosto de 2024

desenvolvido por aznegocios.pt