UM OLHAR OUTRO

10 de Janeiro de 2021

Início de ano. Convite a olhar o futuro. Que nos reserva ele?

Apetece-me dizer: mais do mesmo. Sim, porque reconheço uma constante de ano para ano: a nossa cultura promove a repetição, não favorece a procura de saltos qualitativos, que nos podem levar a patamares mais elevados de humanização.

Por isso mesmo sou de opinião que o cristianismo é o maior salto qualitativo jamais conseguido. Mais ainda, tal salto está ainda em curso, sem parar, como proposta desafiadora para não nos deixarmos cair no imobilismo, no cruzar de braços e na desculpa de que «não há nada a fazer». De facto, do núcleo central da proposta de Jesus faz parte a «conversão», o olhar-se a si mesmo em confronto com uma proposta mais elevada: sai de ti e contempla os outros, o Outro. Fico, por vezes, inquieto diante de acusações torpes vindas do mundo da política e de análises jornalísticas: o cristianismo é retrógrado, é conservador... E até se assume, sem crítica, que a esquerda é progressista e a direita é conservadora. Não me revejo nestes considerandos. Quem mais revolucionou e alterou o curso da História foi mesmo Jesus Cristo. E a mensagem que deixou continua, e com força, a ser a grande inspiração dos saltos de civilização. Que não acontecem, sabemo-lo bem, do dia para a noite, mas exigem tempo, muito tempo, tanto quanto a nossa resistência a sairmos de nós mesmos para nos pormos em peregrinação de confiança. À procura de uma Beleza e de uma Bondade e Verdade superiores àquelas que nos têm, tantas vezes, reféns. Ora sabemos que estamos marcados por uma azáfama constante de tudo querermos novo e imediato. Mas a novidade exige tempo, maturação, confronto. A rapidez torna tudo apenas momentâneo e passageiro.

Estamos agora envolvidos por uma campanha política para as eleições presidenciais. Correspondendo às expectativas e imposições legais, eis-nos diante de candidatos que expõem os seus projectos para o nosso país. À partida todos merecem a consideração e gratidão públicas. Propondo-se servir o bem comum, na nobre arte da política, eles sujeitam-se às apreciações mais díspares, dispõem-se a pagar um preço elevado, a arriscar a sua honra, a ver a sua vida «escancarada» às vezes de maneira torpe e injusta, na praça pública. E não só a deles, mas também a dos seus mais próximos. Respeito-os e admiro-os pela coragem demonstrada, ainda que a experiência nos diga e a realidade acabe por demonstrar que nem sempre as intenções de serviço público são as mais evidentes. A democracia, que não tem apenas virtudes, ainda é, nos nossos tempos, a melhor forma de organizar a vida colectiva.

Por trás das afirmações feitas, das causas publicitadas, das histórias de vida daqueles que as protagonizam, há sempre um corpo de valores que deve presidir à avaliação que vamos fazendo.

Diante da coragem demonstrada, dos riscos que uma campanha é para cada um dos que se candidatam, das avaliações dos seus percursos políticos, cada um de nós deve pensar não apenas na conjuntura presente, mas na capacidade do candidato em gerir as surpresas da história, muitas delas mais ou menos previsíveis. De modo especial a honradez de cada um, na fidelidade aos compromissos assumidos com os eleitores, na prioridade sempre ao bem comum e na sua independência face a pressões de grupos. Há um país a servir, uma História a respeitar, um Futuro a cuidar e um seguir em frente com todos, sem deixar ninguém para trás.

A sensatez diante das realidades sociais e políticas leva-nos a tomar consciência de que nem tudo o que se diz e anuncia será exequível. Quantos projectos anunciados que ficam de lado logo que alguém se senta na cadeira do poder! E é assim que tantos anseios ficam frustrados e apenas retomados no ciclo eleitoral seguinte. E o povo defraudado lá vai dizendo «são todos iguais». Claro que não deverá ser assim. Mas é necessário dizer também que os projectos anunciados em campanha esbarram muitas vezes com a realidade, bem mais complexa do que apenas idealizada. Também aí deve prevalecer o bom senso popular: «nem tudo o que luz é ouro».

E na hora de votar, responsável e livre, dispomo-nos a aceitar os resultados e a colaborar, honesta e criticamente, com os eleitos.

A Igreja, inclusive, reza todos os dias «pelos governantes das nações».

P. Abílio Cardoso

Publicado em 2021-01-10

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