
Pe. João António Pinheiro Teixeira
A felicidade aumenta a produtividade
“As 512 vítimas diretas põem-nos no
encalço de, pelo menos, outras 4300 e, se pensarmos que os abusos aconteciam,
na esmagadora maioria dos casos, muito mais do que uma vez sobre a mesma
criança, levam-nos a muitos milhares de abusos praticados”.
A frase é retirada do Relatório Final da
Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja
Católica Portuguesa. E a realidade que revela é estarrecedora. E, se o é para
qualquer pessoa, é-o, ainda mais, para quem, como eu, é convictamente católico.
Perante um cenário de tamanha gravidade, a
pergunta que, de imediato, se me coloca, é: como foi possível?
Como foi isto possível numa organização
cuja razão de ser é viver de acordo com os ensinamentos de Jesus Cristo e
propagá-los: “Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura”
(Marcos 16:15)?
Como foi isto possível numa organização
que deve ter no mandamento “amem-se uns aos outros como eu vos amei” (João
15:12), um dos referenciais centrais do seu ministério?
Como foi isto possível numa organização
que, à imagem daquilo que Cristo fez, tem de se identificar, antes e acima de
tudo, com os pobres, os desvalidos, os marginalizados:” Pois eu tive fome, e vocês me
deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês
me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e
vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram” (Mateus 25:35-37).
Como foi isto possível numa organização
que deve ter sempre presente a lição: “Deixai vir a mim as crianças, não as
impeçais, pois o Reino dos céus pertence aos que se tornam semelhantes a elas”
(Marcos 19:14)?
É certo que nenhuma organização, nem mesmo
aquelas que são regidas pelos princípios mais altruístas, está imune à
presença, no seu seio, daqueles que disso são indignos. Mas, precisamente por
essa natureza, tem de ser absolutamente implacável com práticas que representam
desvios intoleráveis a tais princípios. E, infelizmente, não foi isso que
sucedeu com a Igreja. Nem em Portugal, nem em muitos outros países. E, de novo,
me surge a perplexizante interrogação: como foi possível?
Como foi possível a opção consciente pela
política do silêncio? Como foi possível a tolerância perante o crime – no plano
civil – e o pecado – no plano religioso? Como foi possível o encobrimento de
quem o não merecia? Como foi possível a insensibilidade perante aqueles que
sofreram e, em muitos casos, continuam e continuarão a sofrer? Como foi
possível – e, pelos vistos, ainda é -, que infratores permaneçam integrados no
seu seio?
Num mundo em que, infelizmente, os
princípios são, progressivamente, substituídos pelos interesses e os valores
arredados em nome das conveniências, os exemplos de retidão são, cada vez mais,
essenciais.
Nesse contexto, o papel da Igreja Católica
é – tem de ser – determinante na luta contra essas derivas. E, quando ela é
mais necessária, vê-se abalada por um escândalo que, objetivamente, a questiona
e diminui, tanto perante crentes, como não crentes.
As revelações agora tornadas públicas têm,
ainda, um risco adicional: o de uma generalização injusta, tomando a nuvem por
Juno. Porque em causa está o comportamento de uma (imensa) minoria de
perpetradores e de quem, erradamente, os protegeu. E a Igreja é uma vasta
comunidade de crentes, de religiosos e de sacerdotes que, no dia a dia, fazem o
seu melhor para viver em obediência plena á sua fé e em agir, face aos outros,
em consonância com ela.
No meio da tempestade há, contudo, fundados
sinais de esperança. Que vêm, desde logo, do Papa Francisco e da sua
inquebrantável determinação em reformar o que tem de ser reformado e, no que
diz especificamente respeito à questão do abuso sexual, em ser absolutamente
intransigente na sua denúncia e na sua condenação. Sinais que, em Portugal, são
igualmente visíveis.
Desde logo, na própria decisão de
constituir a Comissão Independente, a qual, de resto, no início do relatório
fez questão de agradecer a disponibilidade da Igreja para satisfazer todas as
necessidades requeridas pelo seu trabalho e o respeito absoluto pelo seu dever
de isenção e independência.
Depois, nas declarações feitas pelo
Presidente da Conferência Episcopal, D. José Ornelas, que não poderia ter sido
mais claro quando disse – e cito – “A tolerância zero para com os casos de
abusos tem de ser uma realidade em toda a Igreja” (…) Por isso, não toleraremos
abusos nem abusadores".
O mal do passado não pode ser apagado.
Mas, precisamente por isso, para além da sempre necessária renovação do perdão
e da sincera disponibilidade para auxiliar os abusados na superação dos seus
traumas, a Igreja tem de ser capaz de ir mais longe. E isso significa uma só
coisa: que isto não pode, jamais, repetir-se. E, como católico, quero crer que
é precisamente isso que sucederá.
A terminar, uma reflexão, esta de carácter
mais geral, que resulta da leitura do relatório.
Sublinha-se, aí, que os abusos de crianças
(menores de 18 anos) são mais comuns do que se pensa, pois que dados de uma
metanálise destacam 18% de prevalência na população feminina e 8% na masculina.
Mal ou bem, tenho-me na conta de ser um
cidadão interessado e atento ao que se passa à minha volta (a que não é alheio,
evidentemente, o facto de ter estado na política ativa cerca de vinte anos). E
confesso que fiquei bastante surpreendido com o nível desses indicadores. Ouso
pensar, por isso, que outros terão ficado ainda mais surpreendidos do que eu.
Mas, se a realidade é esta, não será mais
do que tempo de transformar o combate ao abuso num verdadeiro desígnio
nacional?
In Expresso - José Matos Correia, 15.02.2023

A felicidade aumenta a produtividade

Carmen Garcia

“As ruas e as praças de Lisboa não pertencem apenas aos sindicatos e não são propriedade da extrema-esquerda. Até os Católicos se podem manifestar, porque há separação entre a Igreja e o Estado.”

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